Há uma década, países árabes lutavam por liberdade de expressão e qualidade de vida. Entenda o conflito.
Por Alexandre Santos e Carol Furtado
Repressão: ato de oprimir; castigo; punição. Popularmente conhecida por controlar exacerbadamente as liberdades individuais da população, uma ditadura, segundo o cientista político e sociólogo francês, Maurice Duverger (1917-2014), é um sistema político autoritário, violento e ilegítimo.
Tal regime político pode ser classificado como militar, facista, ou até mesmo, proletário, mas, independente de qual seja sua “variante”, a essência permanece a mesma: censura e uso da força bruta. E foi o descontentamento com esse modelo de administração pública que levou milhares de pessoas para as ruas no maior evento político do século, que ficou conhecido como Primavera Árabe.
A história começa no dia 17 de dezembro de 2010, quando o jovem Mohamed Bouazizi (26), um vendedor de frutas, teve todos produtos confiscados pela polícia na Tunísia. Mohamed foi até a sede do governo tentar recuperar seus pertences, mas sem sucesso. O jovem, então, ateou fogo no próprio corpo, diante do prédio público.
Não demorou para que a notícia se espalhasse, na internet, e o abusivo caso de Bouazizi se tornasse o gatilho de uma série de reivindicações ligadas à insatisfação popular com o modelo ditatorial. Naquele ano o país estava sob comando de Zine al-Abidine Ben Ali, que havia sido reeleito no ano anterior, completando 23 anos no poder do país, localizado no norte africano.
A manifestação política era proibida, mas isso não impediu que o povo se rebelasse contra seus opressores. Anos depois, em 2014, o ditador abandonou o governo, rumo ao exílio na Arábia Saudita, onde faleceu em 2019.
(Foto: AlmuyGeno23/ Reprodução Flickr)
O renascimento
Vista por muitos como a mais graciosa dentre as estações do ano, a primavera é o período que sucede o inverno e antecede o verão. Sendo o período do ano em que as ruas e jardins das cidades ganham as cores, e a beleza, da floração dos mais diversos espécimes de plantas.
A estação, em questão, é o presságio de um novo ciclo, de um recomeço. Não por acaso, a estação deu nome a um dos maiores eventos políticos do século, a Primavera Árabe. A expressão, que batiza a revolta, foi introduzida pela imprensa do hemisfério ocidental, em 2011, após a derrocada de Zine El Abidine Ben Ali, até então presidente da Tunísia.
O fenômeno foi uma sequência de revoltas, de origem popular, que despontaram, simultaneamente, em mais de dez países do Oriente Médio e norte da África. Dentre os países envolvidos, estão: Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Argélia, Síria, Marrocos, Omã, Bahrein, Jordânia, Sudão e Iraque. As reivindicações? Liberdade de expressão e qualidade de vida.
O Portal da CACAU conversou com o professor universitário, Vladimir Feijó (42), a fim de melhor entender o movimento e como ele impactou os países nas esferas política, social, econômica e cultural. Feijó, que leciona há 16 anos, é doutor em Direito Internacional.
Sobre o assunto, o docente elucida que, para os analistas, a Primavera Árabe é entendida a partir de dois marcos distintos. Num primeiro momento, os eventos são classificados como “revoluções coloridas”, ou seja, manifestações estimuladas e financiadas por agentes externos que tenham interesses políticos no conflito. O segundo marco se refere à luta por liberdade civil e democracia em uma região dominada por ditaduras.
Ciberguerra
A partir dos anos 2000 o mundo passou a experimentar uma nova forma de se relacionar com o mundo e as pessoas, a internet. Quem poderia imaginar que poderíamos nos comunicar com pessoas, em qualquer canto do mundo, a qualquer momento? O advento das mídias sociais revolucionou não apenas a forma como interagimos socialmente, mas também as esferas políticas e culturais.
Hoje, dentro das redes sociais, pautas de extrema importância são levantadas e debatidas. Organizar e convocar grandes manifestações nunca foi tão fácil, bastando, meramente, um post em uma das várias mídias sociais disponíveis na internet, em aplicativos e ferramentas afins.
O movimento dos países árabes ganhou força popular graças ao uso das mídias sociais para alertar a população para a causa, bem como organizar e chamar a atenção da comunidade internacional para a movimentação política na região. Dentre as ferramentas utilizadas se destacam Facebook, Twitter e YouTube.
O docente explica que a Primavera Árabe teve sua participação no fortalecimento das mídias sociais como ferramenta política. “A Primavera Árabe serviu de impulsionador da vida digital. Ela foi facilitada pela existência do Facebook, Twitter e mensageiros. Foi facilitada também pela grande adesão à tecnologia e às ferramentas, porque a população desses países é esmagadoramente jovem”, enfatiza o professor.
O doutor também destaca que houve uma resposta por parte dos dirigentes do Estado. Ele explica que os governos passaram a restringir as redes sociais e inundá-las com propaganda estatal e com notícias falsas. O que gerou um cenário pior que o anterior, ao movimento, com uma sociedade menos livre e menos crítica. Apesar de, curiosamente, haver pouca demonstração de descontentamento. “Fato é que não emergiram novas lideranças capazes de unir os diferentes setores, tribos e demandas”, pontua.
Consequências
E é claro que uma onda de manifestações dessa magnitude e profundas mudanças reivindicadas pelo “povo” desencadeariam uma série de consequências, afetando diretamente as relações internacionais das nações envolvidas. Para Vladimir, do ponto de vista econômico, a constante instabilidade política e a fragmentação social tem afastado, até hoje, investidores estrangeiros.
O que é um problema, afinal, automaticamente reduz os investimentos governamentais e privados nacionais, prejudicando a cadeia de suprimentos e, por consequência, reduzindo tanto a riqueza total quanto a renda média da população em praticamente todos os países que tiveram eventos da Primavera Árabe.